quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

6x07 - Preço de etiqueta

Temporada 6, episódio 07 – Preço de etiqueta


“Luíza já voltou do Canadá e o nós já fomos mais inteligente.” Em referência à repercussão de episódio polêmico de um reality show e de uma fama rápida de uma menina qualquer que está fora do país, essa frase dita por um âncora de um telejornal serviu como um banho de glória para muitos e um banho de água gelada para tantos outros.
Verdade seja dita: a exibição de um programa de fórmula batida e cansada, que presenteia, de certa forma, o que o ser humano mais gosta de fazer – cuidar da vida dos outros - já nos cansou. Pipocam por todos os cantos inúmeros intelectuais, criticando tal programa e, de quebra, quem os assiste. Nas redes sociais, chovem postagens de apoio aos concorrentes do grande prêmio e, nessa onda, se proliferam campanhas de “Compartilhe se você quer que o BBB seja tirado da TV”, dentre outras favor ou contra. Concordo que chega ser insuportável acessar os portais nos bombardeando de notícias sobre o reality show.
Então, já está marcado em nosso calendário! Todo o inicio do ano, quando o programa da “nave-mãe” entra com sua nova temporada, surgem os fãs ávidos que acompanham, torcem e votam pelos seus favoritos; os que criticam aqueles que acompanham o programa e; os que criticam os que criticam os fãs.
Neste momento que surgem pensadores e críticos que falam mal do programa e de quem os assiste. Frases de impacto brotam das redes sociais. Jornalistas chamam os brasileiros de burros por darem atenção a um evento (ou mais eventos simultâneos) idiota. O fato é que quem quer passar a imagem de intelectual, esse é o momento. Está aberta a temporada de pseudo-intelectuais.
Desde quando a intelectualidade de alguém pode ser julgada pelo simples fato dele em assistir programa A, B ou BBB? Não há fundamento em categorizar as pessoas pelo simples fato do que ela assiste. Não assisto novela, mas sim seriados – o que de certa forma dá no mesmo. Não assisto humorísticos na televisão, mas sim animes.  Postar citações de escritores não transforma ninguém em um ser intelectual. Uma frase qualquer em fonte itálico ao lado da foto de algum artista conhecido não é sinônima de intelectualidade por parte de quem posta.  
Da mesma forma, há quem gosta de carnaval e há quem o detesta. Falar mal de um evento, festa popular ou programa de televisão não leva a nada. Vamos pensar: boa parte das pessoas já levam uma vida sofrível e difícil e o que eles querem é chegar à casa de noite, assistir a sua novela e o seu reality show e descansar; eles querem poder se divertir e fazer festa sem culpa, beber e dançar. Dar atenção à uma frase tosca de alguém que está no Canadá, o que é que tem? Imagina quão chato seria se todos fossem marrentos como o âncora do telejornal? E a tal da liberdade?
A questão é que as pessoas gostam de, em meio disso tudo, poder aparecer. Passar a imagem de algo que não se é já deveria ter se tornado modalidade olímpica. O que importa, pra todo mundo, é o preço de sua etiqueta, aquilo que se apresenta, indiferente de sua real utilidade ou do seu real valor. É o mundo de aparências, apenas isso.
Viva o carnaval! Viva o BBB! Viva o futebol! Viva a cultura (talvez inútil). Viva os críticos de plantão! Viva os pseudo-intelectuais! Viva todo mundo que não se preocupa com isso tudo!
Não, não sou intelectual e nem humorista – apenas sou alguém que não aguenta mais ver (e ler) tanta hipocrisia.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

6x06 - Sem o meu guarda-chuva

Temporada 6, episódio 06 - Sem o meu guarda-chuva

Já estava na hora de voltar para casa naquela noite de quinta-feira abafada. Nuvens carregadas davam a entender de que a chuva chegaria mais cedo ou mais tarde – eu torcia que fosse mais tarde. A ideia de tomar um banho de chuva nos 3km de trajeto, trinta minutos de caminhada, da escola onde trabalho até a casa onde (ainda) moro, não me agradava nenhum um pouco. Acreditando que a chuva não cairia durante o percurso, optei por retornar ao lar sem um guarda-chuva na mochila.
Tremendo engano professor Monteiro. Pouco mais de quinhentos metros de percurso e a chuva dava o ar da graça, caindo aos poucos, inofensivamente. Segui despreocupado pela avenida até que “a coisa ficou séria”. A inexpressiva precipitação estava se tornando numa bela ameaça. Apertei o passo e esperei por alguns segundos a chuva acalmar, debaixo de uma árvore, mais ou menos na metade do caminho.
Pensei por um momento: André, tu reclamou de calor a semana toda, estava implorando por chuva e agora quer escapar dela? E as coisas funcionam bem assim mesmo: você tanto quer uma coisa, reza, pede e implora, e quando o “presente” é dado, se faz desdém e não quer mais. Ser humano é um animal estranho: só dá o devido valor quando não se tem ou se perde as coisas. O que eu mais queria naquela semana estava ali disponível! Com essa mentalidade, certifiquei de que a minha mochila estava devidamente fechada e saí de minha zona de proteção. Só porque o que eu mais queria estava ali disponível não quer dizer que eu não deva me proteger e ser cauteloso.
A chuva por si só tem o poder de lavar a alma. A equação “noite abafada” mais “dia cansativo” mais “deixei meu guarda-chuva” é igual a “reflexão sob a chuva”. Ótima combinação - estava na hora de algo chegar e levar o que ainda me prendia ao ano de 2011. E assim foi, junto com as minhas pegadas, marcas de um passado ficavam pelo chão, deixadas lá e apenas lembradas como parte do meu caminho.
 Chuva de verão sem raios e trovões não é chuva de verão. Quem me conhece sabe que poucos fenômenos da natureza me amedrontam: relâmpagos, raios e trovões (sim, todos da mesma família). Observei lá no horizonte a beleza assustadora de alguns raios. O coração acelerou, mesmo sabendo da ínfima possibilidade daquilo me fazer algum mal. Pensei novamente: pra que ter medo? Já deixei para trás o que hoje não me faz feliz e é natural que nem sempre haverá chuva branda. Uma chuva sem trovoadas é como uma vida sem desafios. Algumas (chuvas) com certeza causarão estrago em dado momento. É natural – eventos nos arrasam, mas a bonança é certa depois de tudo.
Finalmente cheguei em casa, molhado, sem medo dos raios e com os rastros de um passado pelo caminho. Ao fim, me convenci de que deixei o guarda-chuva de propósito – temos que aprender a caminhar sem a nossa proteção de vez em quando. 

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

6x05 - Tudo faz parte do plano

Temporada 6, episódio 5 - Tudo faz parte do plano

Certa manhã de domingo, após voltar de uma balada em Porto Alegre, leio uma placa de uma lojinha de quinquilharias antigas e, aproveitando que o proprietário do estabelecimento estava por perto, falei: “Senhor, bom dia. Não pude deixar de reparar que a placa daquela carroça, lá da frente, contem um erro: sítio é com ‘s’, e não com ‘c’”.
Todos os dias, de segunda à sexta-feira, eu faço o mesmo caminho para ir ao trabalho. Dessa forma, todos os dias eu me deparo com a mesma BR 116, com o mesmo mercado do “Seu Zé”, com a mesma igreja, com a mesma rodoviária e com a mesma loja de antiguidades que fica na entrada do bairro vizinho à qual moro. Esta é uma rotina que muitos de vocês fazem e que passam pela mesma situação que eu. Algumas coisas conseguem me chamar à atenção e, uma delas, é a ortografia apresentada em anúncios, redações escolares, placas e afins.
Em certa manhã percebi que aquela simpática casa da esquina havia se transformado em uma singela loja de antiguidades. Admirei a genialidade do proprietário que transformou ferros retorcidos em suporte para flores e uma carroça velha em um “escorregador reciclável” – a placa dizia “Venha conhecer o primeiro escorregador reciclável do mundo”. Essa placa, por si só, já era engraçada pela audácia do senhor empreendedor do quase-museu da BR 116, mas a placa ao lado era mais cômica: “Tudo para o seu cavalo: do fucinho (sic) ao rabicó”. Certamente, a grafia correta seria “focinho”, porém como era um erro tipicamente normal, aquilo passou despercebido.
A cada dia que passava a lojinha da esquina da BR passava por reformas e mais placas interessantes. “Estacionamento próprio” e uma seta desenhada abaixo apontava o local para os clientes estacionarem os seus carros. Tais clientes eram recepcionados com um belo dizer: “Ceja (sic) bem vindo!”. Se eu tivesse uma máquina fotográfica tiraria uma foto e mandaria para o Kibeloco e deixaria meu nome na célebre “Pracas (sic) do Brasil” que o blog humorístico mantem. Pensei que nada poderia ocorrer de erro quando, ao passar pela placa indicativa para o estacionamento, tropeço em outra: “Estacionamento pórprio (sic)” – o erro tão idiota que até o Word corrige automaticamente.
O último grande crime contra a Língua Portuguesa foi uma placa de outra carroça velha que dizia o seguinte: “Estou a venda. Estou louca para ir para um cítio (sic)”.
Assim foi, dia após dias, meus olhos açoitados pelas belas placas e suas grafias impecáveis, até o dia em que eu tomei coragem e comentei com o senhor, dono do lugar, sobre o tal erro. “Senhor, bom dia. Não pude deixar de reparar que a placa daquela carroça, lá da frente, contem um erro: sítio é com ‘s’, e não com ‘c’” – comentei com ele. Aquele senhor me olhou por dois segundos, deu uma risadinha marota e respondeu: “Interessante, mas aquilo te chamou a atenção, certo?”. Afirmei com a cabeça e ele finalizou, batendo o indicador na cabeça como sinal de astúcia: “Então consegui o que eu queria! Tudo faz parte do plano!”.
Pela primeira vez em muito tempo alguém conseguiu me deixar sem palavras.